Sindicância contra juiz de Teixeira de Freitas vai ao Pleno do TJ-BA

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24 de outubro de 2025
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A Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) instaurou uma sindicância para apurar a conduta do juiz Leonardo Santos Vieira Coelho, titular da 1ª Vara Cível da Comarca de Teixeira de Freitas, extremo sul da Bahia. Após investigação inicial sigilosa, o corregedor-geral Roberto Maynard Frank determinou a retirada do sigilo e o envio do caso ao Tribunal Pleno do TJ-BA, que decidirá se as evidências justificam a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o magistrado. A medida torna públicos os fatos apurados e coloca sob escrutínio de todos os desembargadores do tribunal as possíveis infrações cometidas pelo juiz.

Inspeção em 2024 motivou investigação da Corregedoria

A sindicância teve origem em achados de uma correição ordinária (inspeção de rotina) realizada em 2024 na comarca de Teixeira de Freitas, conforme o Edital CGJ nº 101/2024. Durante a correição – conduzida pela equipe da Corregedoria sob ordens do desembargador Roberto Maynard Frank – foram coletados depoimentos de registradores e notários (responsáveis pelos cartórios extrajudiciais) locais. Esses depoimentos e demais indícios levantados revelaram supostas irregularidades na 1ª Vara de Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais e Registros Públicos da comarca. Diante das evidências, a Corregedoria-Geral instaurou a sindicância disciplinar para investigar o juiz Leonardo Coelho e apurar possíveis faltas funcionais graves.

Na inspeção realizada em novembro de 2024, a Corregedoria detectou ineficiência na gestão da vara por parte do magistrado. Foram encontrados milhares de processos paralisados além do prazo razoável: um relatório preliminar apontou 3.910 processos sem andamento, dos quais 3.687 estavam parados há mais de 200 dias e 223 processos sem movimentação há mais de 1.000 dias. Também houve indícios de delegação indevida de atos judiciais a servidores, ou seja, funcionários do cartório judicial realizando tarefas que seriam de responsabilidade do juiz. Esses fatos motivaram a investigação interna para averiguar até que ponto o magistrado descumpriu seus deveres legais.

Possíveis infrações administrativas em apuração

A sindicância busca esclarecer se o juiz incorreu em infrações administrativas previstas na legislação que rege a magistratura, especialmente na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman, Lei Complementar nº 35/1979). Dentre os deveres possivelmente violados destacam-se:

  • Descumprimento de prazos processuais e atraso em julgamentos: a Corregedoria identificou um acúmulo expressivo de processos sem decisão dentro dos prazos legais. Havia milhares de ações paralisadas por longos períodos, contrariando o dever do magistrado de não retardar, sem justificativa, o andamento dos feitos e de proferir sentenças nos prazos estabelecidos. Esse atraso crônico fere os incisos II e III do art. 35 da Loman, que exigem do juiz zelo na observância dos prazos e providências para andamento célere dos processos.
  • Interferência indevida em serventias extrajudiciais: outro ponto sob investigação é a relação do juiz com os cartórios de notas e de registro da comarca. Durante a correição, tabeliães e registradores relataram fatos que sugerem possível interferência do magistrado em atividades extrajudiciais. Normas específicas, como a Lei estadual nº 10.845/2007 (que regula os serviços extrajudiciais na Bahia) e o Código de Normas da Corregedoria, teriam sido infringidas, indicando atuação além dos limites de supervisão judicial sobre essas serventias. A sindicância apura se o juiz praticou atos indevidos ou exerceu influência inadequada sobre os cartórios locais, em desacordo com as regras que regem os serviços notariais e de registro.
  • Conduta incompatível com o cargo: a Corregedoria também investiga se o comportamento do juiz violou o Código de Ética da Magistratura e os deveres de decoro e respeito inerentes ao cargo. A função exige dos magistrados imparcialidade, independência, transparência, integridade e urbanidade no trato com partes, advogados e servidores. No caso em apuração, são apontados indícios de que Leonardo Coelho não manteve conduta à altura dessas exigências – seja pela forma como se dirigiu a membros da comunidade jurídica, seja pela maneira como administrou a vara. Atitudes consideradas inadequadas, como expor publicamente participantes de processos ou desrespeitar colegas, ferem os preceitos éticos e podem caracterizar falta disciplinar grave.

Além disso, a investigação interna citou possíveis violações a dispositivos do Código de Processo Civil (CPC) relacionados à atuação do juiz nos processos. Artigos como 358 e 457 do CPC, que tratam da condução das audiências e dos deveres de fundamentação das decisões, estariam no escopo da sindicância. Por exemplo, constatou-se que em ao menos uma situação uma audiência de instrução virtual foi conduzida por um servidor, constando em ata como se o juiz estivesse presente, o que contraria frontalmente as normas processuais. Esse fato – o magistrado não comparecer pessoalmente ao ato processual, delegando a condução a um funcionário – exemplifica a possível falta de conduta adequada que a Corregedoria busca sancionar.

Caso segue para o Tribunal Pleno do TJ-BA

Concluída a fase inicial da sindicância, o desembargador Roberto Maynard Frank decidiu encaminhar o caso ao Tribunal Pleno do TJ-BA, colegiado máximo da corte baiana. Em decisão publicada em outubro de 2025, o corregedor-geral também removeu o “segredo de justiça” que mantinha o processo sob sigilo, tornando as apurações acessíveis ao público e às partes interessadas. Na prática, isso significa que os detalhes da investigação disciplinar vieram a público e que os 61 desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia irão avaliar as conclusões da sindicância.

No Tribunal Pleno, os desembargadores deliberarão se instauram ou não um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o juiz Leonardo Coelho. Caso aprovem a abertura do PAD, terá início uma fase processual formal, em que o magistrado passa a responder a uma ação disciplinar com direito a ampla defesa e contraditório, podendo ao final sofrer penalidades que vão desde advertência até aposentadoria compulsória ou demissão, a depender da gravidade das faltas eventualmente comprovadas, conforme prevê a Loman. A decisão de enviar o caso ao Pleno, aliada à publicidade dada ao procedimento, indica a gravidade das suspeitas levantadas na correição ordinária de 2024.

É importante destacar que a abertura do PAD ainda não foi definida – primeiro, o Pleno vai analisar o relatório da sindicância e o voto do corregedor. Somente se a maioria dos desembargadores entender que há indícios suficientes de infração é que o processo disciplinar será instaurado. Até lá, o juiz Leonardo Coelho permanece no cargo, pois não houve (ao menos até o momento) determinação de afastamento preventivo. A expectativa é que o caso seja pautado em sessão do Pleno nas próximas semanas. Se aberto o PAD, o julgamento final sobre as condutas do magistrado poderá ocorrer em sessão pública do Tribunal, conforme o rito de procedimentos disciplinares do Judiciário.

Repercussão local: advogados, servidores e cartórios

O andamento da sindicância contra o juiz de Teixeira de Freitas é acompanhado de perto pela comunidade jurídica local. Advogados da região relatam que os problemas na 1ª Vara Cível vinham afetando o dia a dia forense há tempos – desde a morosidade processual até dificuldades de atendimento. Em determinado período, o juiz limitou o atendimento presencial aos advogados a apenas três manhãs por semana, por meio de uma ordem de serviço interna. Após reclamações da classe, o atendimento pleno no fórum foi restabelecido, mas muitos atos continuaram sendo realizados prioritariamente via WhatsApp. Essa situação gerou descontentamento na OAB local, por entender que restringia o acesso à Justiça.

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA), inclusive, tomou medidas formais diante da conduta do magistrado. Em 2023, a OAB-BA apresentou uma representação disciplinar junto à Corregedoria contra Leonardo Coelho, após um episódio envolvendo ofensa a uma advogada em um grupo de WhatsApp administrado pelo juiz. Na ocasião, o magistrado divulgou, nesse grupo com mais de 300 advogados, uma petição em que a advogada pedia a suspeição dele em um processo, e teria feito comentários depreciativos à profissional, expondo-a perante os colegas. O caso provocou forte reação: a OAB-BA realizou um desagravo público em favor da advogada ofendida (um ato solene para restaurar a honra da profissional) e cobrou providências do TJ-BA. Esse posicionamento firme da Ordem reflete a preocupação dos advogados com a postura do juiz e o respeito às prerrogativas da advocacia na comarca.

Do lado do Poder Judiciário, a situação também repercute entre servidores e magistrados. Os servidores do fórum de Teixeira de Freitas se viram pressionados pelas circunstâncias apontadas na sindicância – por exemplo, houve caso de servidor conduzindo audiência na ausência do juiz, o que os coloca em posição vulnerável ao realizar atribuições incompatíveis com seu cargo. Embora as entidades representativas dos servidores (a exemplo do Sinpojud, sindicato da categoria) não tenham emitido nota pública específica sobre o assunto, é provável que acompanhem de perto o desfecho, já que a sobrecarga de trabalho e a irregularidade dos procedimentos impactam diretamente as equipes do cartório judicial.

Os cartórios extrajudiciais (notas e registro) da cidade também estão no centro das atenções. Como mencionado, tabeliães e registradores prestaram depoimentos durante a correição de 2024, indicando que havia atritos ou ingerências envolvendo o juiz e as serventias extrajudiciais. Detalhes não foram divulgados devido ao sigilo inicial, mas a inclusão da Lei 10.845/07 (que rege os serviços notariais e de registro na Bahia) entre as normas potencialmente violadas sugere que o magistrado possa ter interferido em assuntos dos cartórios além do permitido. Entidades de classe dos notários e registradores não se pronunciaram abertamente, mas profissionais do setor esperam que qualquer interferência indevida seja coibida para resguardar a autonomia e a segurança jurídica dos atos extrajudiciais.

Entre os demais magistrados, o caso é acompanhado com atenção e cautela. A Associação dos Magistrados da Bahia (AMAB) divulgou nota ressaltando que preza pelos princípios do contraditório e ampla defesa em favor de todos os juízes associados, incluindo o juiz Leonardo Coelho. A AMAB manifestou confiança de que uma decisão justa será proferida pelas autoridades competentes ao final do processo. Essa posição indica apoio institucional ao direito de defesa do investigado, sem necessariamente adentrar no mérito das acusações. Nos bastidores, comenta-se que o caso de Teixeira de Freitas serve de alerta a outros magistrados quanto ao cumprimento rigoroso dos deveres funcionais, dada a visibilidade que ganhou no meio jurídico baiano.

Antecedentes e contexto funcional do magistrado

Não é a primeira vez que o juiz Leonardo Santos Vieira Coelho enfrenta questionamentos disciplinares. Antecedentes recentes ajudam a contextualizar a situação atual. O episódio do grupo de WhatsApp com advogados, ocorrido em 2023, colocou em xeque a conduta do magistrado e desencadeou a reação institucional da OAB. Na época, Leonardo Coelho criou um grupo no aplicativo com o intuito declarado de facilitar a comunicação com os advogados da comarca, divulgando despachos e informações processuais de forma ágil. No entanto, ao expor no grupo uma peça processual (o pedido de suspeição feito por uma advogada) e tecer comentários considerados ofensivos e irônicos sobre a profissional, ele foi acusado de violar o dever de urbanidade e imparcialidade. A própria Corregedoria-Geral do TJ-BA abriu uma sindicância para apurar essa conduta, a qual foi submetida ao Tribunal Pleno em 2024.

Em 19 de fevereiro de 2025, o Pleno do TJ-BA julgou o resultado daquela sindicância do WhatsApp, na qual o corregedor havia opinado pela instauração de um PAD (Processo Administrativo Disciplinar) contra o juiz. Após intensos debates, o colegiado decidiu, por 29 votos a 24, arquivar a sindicância, rejeitando a abertura do PAD naquele caso. Ou seja, a maioria dos desembargadores entendeu que as faltas alegadas não justificariam uma punição formal, e o juiz Leonardo Coelho não sofreu sanções naquela ocasião. Essa decisão gerou controvérsia entre advogados – muitos esperavam alguma reprimenda dado o ineditismo da situação de um juiz mantendo comunicação informal com centenas de causídicos – mas prevaleceu o entendimento de que não havia elementos suficientes para penalizá-lo pelo episódio.

Durante o processo disciplinar do “caso WhatsApp”, a defesa do juiz sustentou que ele não teve a intenção de ofender e que o grupo de mensagens era apenas uma “extensão digital do gabinete”, criado para dar transparência e rapidez ao contato com a advocacia, especialmente durante o período da pandemia. Argumentou-se que o despacho compartilhado já era público nos autos e que a reação da advogada envolvida teria sido exagerada. Esses argumentos, somados ao histórico até então sem punições do magistrado, podem ter contribuído para o arquivamento do caso. De qualquer forma, o episódio serviu de precedente importante sobre os limites da conduta de juízes em meios digitais e no relacionamento com advogados.

Agora, com a nova sindicância decorrente da correição de 2024, o juiz Leonardo Coelho volta a enfrentar um escrutínio rigoroso. Diferentemente do caso anterior, que versava sobre conduta pessoal e comunicação, a investigação atual aponta para problemas estruturais na gestão da vara e possíveis impactos diretos na prestação do serviço judicial aos cidadãos. Os fatos elencados – atrasos processuais massivos, delegação irregular de funções, ausências prolongadas do magistrado e supostas interferências externas – são de natureza diversa e potencialmente mais graves no contexto do funcionamento da Justiça.

Analistas jurídicos avaliam que, se confirmadas as infrações, as consequências podem ser sérias. A Loman prevê penalidades que vão desde advertência, censura e remoção compulsória para outra comarca, até a aposentadoria compulsória (com proventos proporcionais) ou mesmo perda do cargo, em casos extremos de conduta incompatível. Tudo dependerá do julgamento do Tribunal Pleno: caso o PAD seja instaurado, haverá fase de instrução probatória e, ao final, nova votação colegiada para aplicar ou não alguma sanção.

O que esperar do julgamento no Tribunal Pleno

Com o envio da sindicância ao Pleno do TJ-BA, o caso do juiz de Teixeira de Freitas entra em sua etapa decisiva. Nas próximas sessões, os desembargadores terão acesso ao relatório detalhado da Corregedoria sobre as faltas atribuídas a Leonardo Coelho. Esse relatório deve conter os depoimentos coletados (inclusive dos cartórios extrajudiciais), dados estatísticos da vara e a análise do corregedor Roberto Frank acerca de cada possível infração. Tradicionalmente, o corregedor-geral apresenta seu voto recomendando ou não a abertura do PAD e sugerindo, se for o caso, medidas cautelares. Os demais desembargadores podem acompanhar o voto do corregedor ou divergir, formando-se então uma maioria.

A sociedade civil e a comunidade jurídica de Teixeira de Freitas aguardam com expectativa essa decisão. Advogados locais esperam que, se comprovadas as falhas, sejam adotadas medidas para normalizar o andamento dos processos na 1ª Vara, garantindo maior celeridade e respeito às prerrogativas. Servidores e cartorários esperam definições que tragam estabilidade e delimitem claramente as competências de cada qual, prevenindo futuros atritos ou sobrecargas indevidas. Já os pares do magistrado acompanham atentos, cientes de que o resultado poderá sinalizar o nível de rigor do TJ-BA com relação ao cumprimento dos deveres funcionais pelos juízes de primeira instância.

Caso o Tribunal Pleno decida pela não abertura do PAD, o processo termina arquivado e o juiz permanece em suas funções, cabendo à Corregedoria possivelmente recomendar orientações ou correções administrativas na vara. Por outro lado, se o PAD for instaurado, Leonardo Coelho se tornará formalmente réu em processo disciplinar, algo relativamente raro e de grande impacto na carreira de um magistrado. Em paralelo, a transparência dada ao caso – ao se retirar o sigilo – indica uma preocupação institucional em dar satisfação à sociedade sobre o andamento da Justiça na região.

Fontes e Referências:

  • Bahia Notícias – “Corregedoria do TJ-BA encaminha processo disciplinar contra juiz de Teixeira de Freitas ao Tribunal Pleno”, 21/10/2025.
  • Siga A Notícia – “Processo contra juiz de Teixeira de Freitas sai do sigilo e segue para o Pleno do TJ-BA”, 21/10/2025.
  • Bahia Notícias – “Juiz de Teixeira de Freitas é investigado pelo TJ-BA por possíveis descumprimentos de deveres funcionais”, 13/02/2025.
  • OAB-BA – “Nota de Esclarecimento sobre representação contra juiz da 1ª Vara Cível de Teixeira de Freitas”, 29/03/2023.
  • Bahia Notícias – “TJ-BA arquiva PAD de juiz que criou grupo de WhatsApp e teria ofendido advogada”, 19/02/2025.
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