
TÁ FALTANDO ZABUMBA, TRIÂNGULO E SANFONA EM DIVERSOS FESTEJOS JUNINOS
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20 de junho de 2025Em pleno mês de junho, quando o Nordeste deveria pulsar ao som do forró, do baião e do xote, o que se ouve em muitos palcos espalhados pelas cidades é o eco distante da tradição sendo soterrada por interesses comerciais. São João não é Carnaval. São João é raiz, é memória, é identidade de um povo que resiste com alegria e fé, mesmo diante das dificuldades.
Com todo o respeito a artistas como Léo Santana, Wesley Safadão, Gusttavo Lima e outros grandes nomes da música brasileira, é preciso dizer com clareza: o palco do São João não é território para o apagamento cultural. O ritmo desses artistas pode embalar muitos eventos ao longo do ano, mas o mês de junho é – ou deveria ser – sagrado para o forró. A sanfona, o triângulo e a zabumba são os verdadeiros reis dessa época. Sem eles, a festa perde alma, vira vitrine de produtora milionária e se distancia das raízes nordestinas.
É lamentável ver empresários e produtores, sedentos por cifras, transformando os arraiás em micaretas fora de época, reduzindo uma das maiores manifestações culturais do planeta a uma vitrine de marketing. Mais grave ainda é perceber a conivência de prefeitos, governadores e até instituições culturais que, em nome do apelo midiático e do “grande nome no cartaz”, abrem mão de defender o que é nosso por direito: a cultura junina.
Diante desse cenário, é urgente que instituições como o Ministério Público, as Assembleias Legislativas estaduais, os Tribunais de Contas e os Conselhos de Cultura atuem com firmeza. É preciso criar normas, diretrizes e recomendações que garantam que os recursos públicos destinados aos festejos juninos priorizem atrações comprometidas com a identidade cultural da festa. Contratações que descaracterizam o São João em nome do lucro devem ser questionadas, fiscalizadas e, se necessário, barradas.
Os próprios artistas também precisam refletir. Se insistirem em ocupar o espaço junino sem reverenciar suas raízes, estarão contribuindo diretamente para o sepultamento de uma das expressões culturais mais autênticas do planeta. Não se trata de exclusão, mas de respeito. O São João não é palco de passagem, é altar de tradição.
Ainda há luz no fim do túnel. Cidades como Caruaru (PE), Campina Grande (PB), Senhor do Bonfim (BA), Amargosa (BA) e outras do sertão nordestino têm resistido bravamente. Com programação que valoriza os mestres da cultura popular, esses municípios mostram que é possível atrair multidões sem perder a identidade, sem ceder à pasteurização cultural que ameaça transformar tudo em mais do mesmo.
Se não abrirmos os olhos, estaremos sepultando o São João como ele foi concebido: celebração da fé, da colheita, da alegria da roça e da dança ao redor da fogueira. A festa do milho, da canjica, da quadrilha, do vestido de chita e da música que nasce do chão rachado pela seca, mas fértil em esperança.
O São João não pode ser apenas mais um evento. Ele é o coração cultural do Nordeste. E um coração que não bate ao som da zabumba, do triângulo e da sanfona está morrendo aos poucos.