STF autoriza revisão da anistia a 2,5 mil ex-cabos da Aeronáutica durante a ditadura
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17 de outubro de 2019O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (16), por 6 votos a 5, que a administração pública pode rever e anular anistias concedidas a um grupo de cerca de 2,5 mil ex-cabos da Força Aérea Brasileira (FAB).
Pela decisão, a revisão pode ser feita caso a caso, desde que haja direito de defesa e não haja a devolução dos valores já recebidos, segundo o G1.
Os ministros analisaram ato da Comissão de Anistia, então vinculada ao Ministério da Justiça, que concedeu indenizações a militares licenciados pela Portaria nº 1.104-GM3 de 1964 sob o fundamento de perseguição política durante a ditadura militar.
Para a Advocacia-Geral da União (AGU), os pagamentos são indevidos porque a portaria que os licenciou se baseou em tempo de serviço e não por perseguição. A AGU argumenta que os pagamentos devem gerar um custo de R$ 43 bilhões aos cofres públicos nos próximos dez anos.
O julgamento foi suspenso na semana passada, após um empate, e foi retomado nesta quarta com o voto do ministro Luiz Fux.
Fux defendeu que as anistias devem ser revistas quando forem concedidas sem base em motivo político. “Nós vamos rever para verificar se foi legítima essa anistia, porque isso gera despesa para os cofres públicos. Não se sabe quantas anistias foram concedidas ao arrepio da Constituição Federal”, afirmou o ministro.
Outros cinco ministros entenderam que a administração pode rever as anistias e que a motivação política deve ser analisada em cada caso individualmente: Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes.
Já os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello consideraram que a administração perdeu o prazo para contestar e que, por isso, não poderia mais haver a revisão.
No governo Jair Bolsonaro, a comissão passou a ficar vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que já se manifestou contra as indenizações. No último dia 7 foi publicada decisão da comissão definindo que as dispensas fundamentadas na portaria não podem ser consideradas perseguição política.
Segundo a pasta, a Aeronáutica paga, mensalmente, cerca de R$ 31,5 milhões aos anistiados. Até julho deste ano, o montante já pago com benefícios chega a R$ 3,9 bilhões.
O julgamento tem repercussão geral, ou seja, o entendimento dos ministros será aplicado a todos relacionados à portaria.
Os ministros analisaram dois pontos: se a administração pública pode rever atos após o prazo máximo estabelecido por lei para recorrer (cinco anos); e se a concessão da anistia foi inconstitucional (a motivação política é exigida pela Constituição).
O caso que chegou ao Supremo foi o de um ex-cabo da Aeronáutica que teve o benefício anulado e conseguiu uma decisão favorável no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para reaver o pagamento.
O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, relator do caso, votou para anular a concessão do benefício ao ex-cabo e para que a administração possa rever as demais concessões previstas nessa portaria, desde que assegurada a defesa aos anistiados em processo administrativo.
Segundo o ministro, a administração pública pode rever um ato, mesmo que tenha se encerrado o prazo previsto em lei para contestá-lo, desde que flagrantemente inconstitucional.
“Um fato incompatível com a Constituição Federal, com o passar do tempo, não se torna fato constitucional”, disse Toffoli.
“O Supremo Tribunal Federal já assentou em julgados que a Portaria nº 1.104/64, por si, não constitui ato de exceção, sendo necessário a comprovação, caso a caso, da ocorrência de motivação político-ideológica para o ato de exclusão das Forças Armadas e consequente concessão de anistia política”, completou.
O voto foi acompanhado por Alexandre de Moraes, para quem a Constituição “exige a comprovação de ter sido atingido por um ato de exceção”.
“A concessão de anistia política com base única e genericamente com base no texto da portaria acaba sendo uma responsabilização objetiva sem qualquer nexo com o regime de exceção”, afirmou Moraes.
Já o ministro Edson Fachin divergiu, argumentando que o prazo para a revisão dos atos já se encerrou. Por isso, votou contra a possibilidade de revisão e anulação das anistias.
O ministro Luís Roberto Barroso também acompanhou o relator, para que cada benefício seja analisado caso a caso. “Não é uma questão de ser mais ou menos generoso. Admitir-se a invalidação de ato de concessão de anistia a quem claramente não é perseguido político não significa que todas as anistias possam ser automática e genericamente invalidades”, votou Barroso.
A ministra Rosa Weber acompanhou a divergência aberta pelo ministro Edson Fachin. Para a ministra, não é possível à administração rever seus atos após o prazo, “ressalvada a comprovação de má-fé por parte do anistiado político ou flagrante inconstitucionalidade”.
“O ato de anistia contestado não se enquadra na minha visão na categoria de flagrante inconstitucionalidade, no sentido de que a motivação política fundamentou a finalidade do ato”, afirmou a ministra.
A ministra Cármen Lúcia votou acompanhando a divergência aberta pelo ministro Edson Fachin, afirmando que a portaria pretendeu “que a administração pública exercesse com eficiência seu papel para que não houvesse para sempre a possibilidade de desfazimento de um ato que toca o patrimônio de bens jurídicos de uma determinada pessoa”.
Último a apresentar voto na sessão da última quarta, o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o relator. Para o ministro, a portaria afronta a Constituição, a legislação e também o entendimento da Corte.
“Estamos aqui diante de um ato que reputo nulo, porque se baseou num falso”, afirmou o ministro, argumentando que, em nenhum pedido, conforme o Ministério Público, houve alegação de perseguição política.
Na última quinta, o ministro Gilmar Mendes votou acompanhando o relator, afirmando que o prazo “não alcança situações flagrantemente inconstitucionais”. O ministro afirmou também que a anistia concedida com base na portaria “não se caracteriza, por si só, ato de exceção”.
Em seguida, o ministro Marco Aurélio Mello entendeu que o caso sequer deveria ser julgado pelo Supremo e acompanhou o ministro Edson Fachin. “O recurso extraordinário não é meio próprio para a revisão do entendimento”, afirmou.
Último a votar, o decano Celso de Mello empatou o julgamento ao acompanhar o entendimento de que a revisão não deve ser autorizada. O ministro criticou a falta de transparência com que eram discutidas questões de “segurança nacional”, entre elas, a que culminou no licenciamento dos cabos.
“Os estatutos do proceder numa república democrática fundada em bases democráticas não podem privilegiar o mistério”, afirmou.
De acordo com o ministro, documentos evidenciaram que a FAB estava convencida do caráter subversivo dos cabos e havia elaborado um plano que os havia excluído. E que esses documentos “não permitem que subsista dúvidas sobre a motivação política”, que provocou a edição de portarias.