RELIGIÃO OU AUTOAJUDA? O FENÔMENO DOS TEMPLOS DO EU

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15 de junho de 2025
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Por Sammy Chagas

Nos últimos anos, o Brasil assiste a uma verdadeira proliferação de igrejas ditas evangélicas, muitas das quais sequer podem ser chamadas, com rigor, de igrejas. É necessário separar o joio do trigo: distinguir o que é um templo cristão — com doutrina, liturgia, pastoral e missão — do que tem se tornado, em muitos casos, apenas um espaço de autoajuda com uma Bíblia em cima do púlpito.

Não se trata de ataque à fé evangélica, longe disso. Igrejas como a Batista, a Assembleia de Deus, a Presbiteriana, entre outras históricas, têm raízes profundas na fé, seguem princípios bíblicos sólidos, formam teólogos, missionários, pastores preparados e têm profundo compromisso com o Evangelho. Assim como a Igreja Católica, cuja constituição é pautada por séculos de tradição eclesiástica, ordenamento canônico, estrutura pastoral e doutrinal séria.

Mas o que se vê, com frequência crescente, são salões alugados, CNPJs recém-abertos, nomes genéricos ou “impactantes”, e um “pastor” que mais se assemelha a um coach de palco. A fórmula é simples: fala-se muito sobre o “eu”, pouco sobre o Cristo. Promete-se prosperidade, vitória, autoestima elevada — tudo embalado com versículos pinçados para justificar promessas que nada têm de cristãs. O púlpito vira palco. A pregação vira motivacional.

Nessas igrejas-coach, Jesus é reduzido ao papel de solucionador de problemas. Um Cristo prestador de serviço, que cura, livra, dá dinheiro, arruma emprego e garante o céu. Mas não se fala de cruz, de renúncia, de sacrifício, de conversão. Não se prega o Sermão da Montanha, o perdão aos inimigos, o amor ao próximo. Seguir Jesus é ser semelhante a Ele — e isso, todos sabemos, não é fácil.

A fé, nesses ambientes, é vendida como fórmula de sucesso. É o “toma-lá-dá-cá” com Deus. Usa-se o nome do Altíssimo para atrair multidões carentes, que buscam consolo para suas dores e acabam encontrando apenas um alívio emocional passageiro. E o mais grave: com pouco ou nenhum conteúdo bíblico genuíno.

O pastor é o coach. O vice-pastor é o filho. O conselho da igreja é a família. As ofertas são para manter a estrutura que gira em torno deles. As Escrituras são pano de fundo, mas o protagonista é o ego. É o “você pode”, “você merece”, “você vai vencer”. Onde está o “negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24)?

E como se não bastasse, os templos se transformaram em verdadeiros shoppings da fé. Lá dentro, encontra-se de tudo: cafeteria, lanchonete, estúdio de mídia, palco com telão de LED, área gourmet, livraria, loja de produtos exclusivos, estacionamento pago. A fé virou negócio. A experiência do sagrado deu lugar à performance comercial. E agora, até banco próprio já existe, ligado aos donos dessas instituições — porque, sim, já não são mais pastores, são empresários da fé.

Pastores que não foram enviados, mas que se auto-intitularam líderes. Não apascentam ovelhas, exploram consumidores. Os “cultos” são espetáculos cuidadosamente roteirizados, e Jesus é citado como um garoto-propaganda de promessas que em nada se alinham à realidade do Evangelho.

Nada contra as pessoas que frequentam esses espaços — muitas delas estão em busca sincera de Deus. Mas é necessário abrir os olhos: nem todo lugar onde se fala de Deus é lugar de Deus. Nem todo templo é igreja. Nem todo pastor é homem de Deus.

“Ai dos pastores que destroem e dispersam as ovelhas do meu pasto, diz o Senhor” (Jeremias 23,1).

A fé cristã não é sobre sucesso financeiro, nem sobre autoestima inflada. É sobre conversão, amor, justiça, entrega, misericórdia e, sobretudo, cruz. Como dizia Dietrich Bonhoeffer, teólogo mártir do nazismo: “A graça que não custa nada é a graça barata. A graça verdadeira custa a vida.”

E esse preço, poucos estão dispostos a pagar. Porque seguir Jesus não é confortável — é transformador. E transformação dói.

 

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