Quando a ignorância vira certeza: bolhas, desinformação e o perigoso efeito Efeito Dunning-Kruger
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04 de dezembro de 2025Por Sammy Chagas
Vivemos uma era em que estar “informado” virou sinônimo quase automático de estar “conectado”. No Brasil de 2024/2025, a penetração da internet alcança cerca de 86,6% da população — ou seja, quase 188 milhões de pessoas. Dessas, aproximadamente 66,3% têm perfis ativos em redes sociais e passam, em média, mais de 3 horas e 30 minutos por dia apenas no ambiente digital social.
Com esse volume de uso, as redes sociais se tornaram terreno fértil para um fenômeno que vai além da simples ignorância: a convicção cegamente equivocada. Trata-se do Efeito Dunning-Kruger — o viés cognitivo descrito pelos psicólogos David Dunning e Justin Kruger, que aponta a tendência de pessoas com baixo domínio de um tema superestimarem suas próprias habilidades e percepções.
📉 Dados e evidências recentes
- Em uma ampla revisão internacional iniciada antes de 2025, pesquisadores constataram que jovens — frequentemente imersos em redes sociais — costumam mostrar alta confiança na capacidade de detectar desinformação, mesmo quando falham em identificar notícias falsas.
- No Brasil, um estudo teórico recente — Psychosocial Cycle of Misinformation — aponta que o ambiente digital intensifica mecanismos psicológicos que favorecem a disseminação de desinformação: overconfidence (confiança excessiva), conformidade social e dissonância cognitiva.
- Outro levantamento, focado nas “bolhas informacionais”, ressalta que o confinamento dentro de grupos homogêneos amplifica a convicção de verdades próprias, reduzindo a abertura ao contraditório.
- Além disso — e de forma alarmante — mesmo quando usuários recebem correções de informações falsas (comentários de outros usuários ou checagens), a capacidade de reduzir crenças errôneas ou a disposição para compartilhar conteúdos falsos se mostra muito limitada no Brasil.
🔥 O perigo social da arrogância informacional
Esse conjunto de dados revela um contexto preocupante: não basta o volume de informação, se não houver discernimento para avaliar sua veracidade. A digitalização acelerada permitiu que convicções frágeis — e muitas vezes incorretas — sejam tratadas como certezas absolutas. Quando combinadas com o Efeito Dunning-Kruger e com bolhas informacionais, as consequências vão além de debates acalorados no feed. Elas afetam decisões individuais e coletivas, influenciam percepções sociais e podem até impactar o processo democrático.
Pessoas configuram sua própria versão de “verdade” com base em ecos repetidos; discordantes são vistos como inimigos, e qualquer dúvida vira arma. A ignorância não só se perpetua — ela se ostenta como autoridade.
⚠️ O combate não é fácil — e os mecanismos reagem mal
Estudos recentes sobre desinformação no Brasil mostram que medidas simples, como a correção de publicações com fake news por usuários comuns, têm efeito modesto na redução da crença ou compartilhamento de mentiras. Ou seja: não basta desmentir. A convicção — alimentada por vieses cognitivos e reforços sociais — resiste.
Além disso, o fenômeno não se restringe à população com menor escolaridade ou acesso restrito à informação. Pode atingir qualquer pessoa, inclusive aquelas com bom nível de instrução — quando atuam dentro de bolhas homogêneas e fechadas.
🧠 A certeza de que se sabe tudo nunca foi tão arriscada
Mais do que ignorância, o que ameaça a sociedade hoje é a ignorância com pompa de sabedoria. A ânsia de estar certo, de reafirmar convicções, de vencer debates — antes que buscar a verdade — cria uma blindagem coletiva contra o questionamento e o aprendizado.
A “sabedoria” compartilhada via redes pode ser superficial, enviesada, construída sobre inverdades repetidas. E o Efeito Dunning-Kruger só amplifica essa ilusão, porque quem mais “grita certezas” costuma ser quem menos sabe do que fala.
✅ Um chamado à reflexão — e à humildade
Para frear essa tendência, não basta oferecer informação. É preciso cultivar — individual e coletivamente — a humildade epistemológica: a consciência de que se sabe pouco, de que a lógica não dispensa prova, de que convicções pessoais não equivalem a dados.
É urgente promover a educação midiática, incentivar o checagem rigorosa, a leitura crítica e o diálogo com a dúvida. Só assim poderemos transformar o mar de certezas infundadas em um terreno de questionamentos maduros — alicerçados na busca pela verdade, não na defesa de visões confortáveis.
