“O QUE REALMENTE ACONTECEU NA OPERAÇÃO DO RIO?”

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30 de outubro de 2025
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Por Sammy Chagas

A megaoperação no Rio de Janeiro, que já ultrapassa 120 mortos, foi anunciada pelo governo estadual como um “duro golpe” contra o crime organizado. Mas, quando analisamos o que realmente aconteceu, a pergunta que ecoa é outra: que crime foi combatido? Que facção foi atingida? O que mudou estruturalmente depois de tanto sangue derramado?

Porque a narrativa oficial tenta vender o massacre como vitória. Mas basta um olhar honesto — o olhar que o jornalismo não pode temer — para perceber que o teatro do combate ao crime não é o mesmo que combater o crime de fato.


1. O MITO DA “GUERRA AO TRÁFICO”: MATAR BUCHAS NÃO DESMANTELA FACÇÃO

É ilusório acreditar que o crime organizado se sustenta nos homens armados que ocupam vielas. Esses são apenas a ponta descartável do sistema. Os verdadeiros sustentáculos das facções são:

  • empresas de fachada,
  • lavagem de dinheiro,
  • transações milionárias,
  • corrupção institucional,
  • cumplicidade de empresários,
  • investimentos em setores formais da economia.

E aqui está o ponto central:
nenhuma facção é destruída matando quem está do lado de baixo da estrutura.

Hoje morre um soldado do tráfico; amanhã seu lugar é preenchido como quem troca uma peça de reposição.

A operação eliminou homens com fuzil? Sim.
Mas eliminou algum financeiro, algum “cérebro”, algum “dono da empresa de fachada”? Não.

Atingiu os trilhões do tráfico? Não.
Rastreou fluxos financeiros? Não.

Sem quebrar o dinheiro, não se quebra a facção.


2. O MOMENTO POLÍTICO E A COINCIDÊNCIA: A SOMBRA DO CASO ‘PH JOIAS’

Dias atrás, a Polícia Federal prendeu PH Joias, apontado como braço operacional da facção e figura que aparecia em fotos ao lado do governador.
O caso gerou constrangimento nacional.

Agora, curiosamente, semanas depois, o mesmo governador deflagra uma operação gigantesca, sem pedir apoio federal, sem articular com outros órgãos, sem integração de inteligência — e mata mais de cem pessoas pobres nas favelas.

Coincidência?

Ou foi uma limpeza de arquivos?
Quem morreu carregava informações demais sobre o funcionamento interno da facção?
Alguém precisava garantir que determinadas histórias não vazariam?

A dúvida não nasce por acaso; nasce pelo contexto.
O governador sai fortalecido politicamente.
A facção perde apenas peças irrelevantes para sua estrutura.
E o caso PH Joias, que precisava de respostas, vai sendo jogado para debaixo do tapete.


3. A FALSA NARRATIVA DE “RECUPERAÇÃO DO TERRITÓRIO”

As facções dividem o Rio em territórios.
Territórios que só existem porque o Estado não está presente:

  • não há escola plena,
  • não há saúde eficaz,
  • não há emprego,
  • não há saneamento,
  • não há presença social,
  • não há polícia comunitária.

A operação desce o morro matando.
Depois sobe, tira foto, recolhe blindado.
E vai embora.

Pergunta simples: o que ficou?
A resposta é dura: o medo. E o sangue.

A rua que ontem tinha asfalto escuro, hoje está vermelha.
O comércio fecha mais cedo.
As mães choram os filhos que nunca tiveram chance.
E, quando os policiais vão embora, o território volta a ser comandado pelos mesmos grupos — ou por outros, ainda mais violentos.

Nada muda.
O Estado não fica.
A política pública não chega.
O crime reorganiza em dias.


4. QUEM MORREU E QUEM SOBREVIVEU? A RESPOSTA EXPLICA TUDO

  • Os que morreram: jovens pobres da ponta, buchas descartáveis, executores sem acesso ao dinheiro.
  • Os que sobreviveram: financiadores, operadores, empresários corruptos, políticos coniventes, milicianos poderosos.

O que isso diz sobre a operação?
Que ela não combateu o crime organizado — combateu a pobreza, como tantas outras antes dela.


5. A GRANDE HIPOCRISIA: OS “CONSUMIDORES” ESTÃO NOS SALÕES DO PODER

Os traficantes ocupam os morros.
Mas quem financia o vício?
Quem alimenta o mercado?
Quem mantém o lucro?

Não são os pobres.

Os maiores consumidores não estão na favela.
Estão:

  • nos condomínios de luxo,
  • nos escritórios refrigerados,
  • nos jantares oficiais,
  • sentados ao lado de autoridades,
  • trafegando com carros blindados e sobrenomes famosos.

A hipocrisia é tão grande que quem consome a droga está sentado à mesa do poder, enquanto quem morre é o jovem negro da periferia.


6. DENÚNCIAS DE EXECUÇÃO E A AUSÊNCIA DO ESTADO DE DIREITO

Relatos de moradores indicam:

  • corpos com tiros na nuca,
  • tiros no rosto,
  • corpos retirados sem perícia,
  • casas invadidas,
  • moradores impedidos de circular,
  • cessão de direitos básicos,
  • sinais de execução sumária.

O Estado brasileiro não pode — juridicamente, constitucionalmente — atuar como milícia.
Art. 5º da Constituição: direito à vida, devido processo, presunção de inocência, proibição de execução sumária.

Nada disso foi respeitado.


7. A PERGUNTA FINAL: O QUE MUDOU?

Depois de mais de 120 mortos, qual foi o resultado real?

  • As facções acabaram? Não.
  • Os financiadores foram presos? Não.
  • As empresas de fachada foram fechadas? Não.
  • O dinheiro foi rastreado? Não.
  • O território agora é do Estado? Não.

Então o que mudou?
Nada — exceto a quantidade de corpos.

E talvez — talvez — o silêncio daqueles que sabiam demais.

Essa operação, vendida como histórica, tem cheiro de outra coisa:
um massacre político, uma cortina de fumaça, um acerto de contas travestido de política pública.

Para combater facção criminosa, o caminho é:

  • inteligência,
  • rastreio financeiro,
  • quebra de empresas de fachada,
  • cooperação federal,
  • presença social,
  • ocupação de território,
  • Estado permanente.

Não helicóptero metralhando telhado.

A pergunta que fica é simples:
a operação combateu o crime ou protegeu quem realmente importa nessa engrenagem?

E enquanto não houver resposta, continuaremos enterrando pobres enquanto os verdadeiros chefes continuam vivos, ricos e confortáveis.

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