O LEGADO PROFÉTICO DE FRANCISCO: O PAPA ESCOLHIDO PELO ESPÍRITO SANTO

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23 de abril de 2025
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Por Sammy Chagas

Há figuras que atravessam a história com tamanha luz que suas obras permanecem mesmo após o fim de suas vidas. O Papa Francisco é uma dessas figuras. Sua morte não representa o fim de um ciclo, mas a consumação de um testemunho que, à semelhança de Cristo, desafia o mundo a repensar sua relação com o Evangelho. Francisco foi um pastor que se fez povo, que viveu o que pregava, e cuja voz ecoou com a força do Espírito Santo em um tempo de individualismo, ódio e destruição da criação.

Francisco incomodou. E isso o tornou semelhante ao próprio Jesus, que também foi traído pelos que se sentavam à sua mesa, condenado pelos que detinham o poder e questionado por aqueles que não suportavam sua mensagem de amor sem barreiras. O Papa Francisco ousou viver o Evangelho como ele é: direto, simples e transformador. Pregou que não basta anunciar a Boa-Nova — é preciso vivê-la. E viver o Evangelho significa amar sem pré-condições, acolher os diferentes, defender os vulneráveis e respeitar a criação.

Seu pontificado foi marcado por decisões corajosas e falas que provocaram reações duras até dentro da própria Igreja. Acusaram-no de comunista, progressista demais, herege — títulos que, ironicamente, já foram usados contra os profetas do passado e contra o próprio Cristo. Mas Francisco, ungido pelo Espírito Santo, seguiu firme na sua missão de fazer com que a Igreja se parecesse cada vez mais com Jesus.

Entre seus maiores legados está a encíclica Laudato Si’, na qual convoca o mundo a cuidar da casa comum. Nela, Francisco retoma a espiritualidade de São Francisco de Assis, que via na natureza uma irmã, uma extensão do amor criador de Deus. A Terra geme, como diz São Paulo (Rm 8,22), e Francisco nos advertiu: destruir a criação é ofender o Criador. Seu chamado não era apenas ecológico, mas profundamente teológico: Deus criou primeiro o lar e depois colocou o homem nele, como um jardineiro e não como um dominador. O Espírito de Deus pairava sobre as águas antes que existíssemos. Logo, o respeito à natureza é também reverência ao sagrado.

Francisco também nos ensinou que a missão da Igreja não é propagar o catolicismo como um rótulo, mas anunciar o Evangelho como uma proposta de vida. Ele reconhecia que há filhos amados de Deus em todas as religiões. Em seus discursos, nunca faltou o apelo à paz, ao diálogo, ao fim da exclusão e do preconceito. Ele nos lembrava constantemente que não cabe a nós tomar o lugar de Deus para julgar, mas sim viver como irmãos, ajudando uns aos outros a encontrar o caminho do bem.

Mesmo diante das críticas, das pressões internas da Cúria, dos setores conservadores que desejavam sua renúncia ou até sua morte, o Papa permaneceu. Como Jesus diante dos fariseus, ele respondeu com gestos e com coragem. Lavou os pés de presidiários, acolheu refugiados, abraçou pessoas em situação de rua, enfrentou grandes potências políticas e econômicas para denunciar a idolatria do dinheiro e a indiferença social. Seu Evangelho não era de papel, era vivido com os pés no chão e os olhos no céu.

Francisco é, sem dúvida, o Papa que o Espírito Santo levantou para um tempo de secularização profunda, mas também de uma nova esperança. Um tempo em que a religião pode ser ponte e não muro. Em que a fé pode ser vivida na prática, não apenas no discurso. Um tempo em que a Igreja, como disse o próprio pontífice, deve ser “um hospital de campanha” e não uma fortaleza.

Sua voz continuará viva, porque ecoa as palavras do próprio Cristo. Sua morte, como a de tantos profetas, o torna ainda mais presente. E cabe a nós, que o ouvimos, manter acesa essa chama: amar sem barreiras, proteger a casa comum, viver o Evangelho, ser Igreja com cheiro de povo e de justiça.

Porque, como dizia Francisco, “a realidade é superior à ideia”. E a realidade que ele nos deixou é clara: o Evangelho vivido incomoda. Mas também salva.

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