Herdeiros da esquerda pregam frente unida contra Bolsonaro

-
02 de junho de 2019
Share:

Durante o nem tão distante século passado, três gaúchos despontaram como líderes nacionais de esquerda à frente de movimentos que marcaram a história do país: Luiz Carlos Prestes (1898-1990), João Goulart (1919-1976) e Leonel Brizola (1922-2004), que foram admirados na mesma medida que combatidos.

Seus grupos podiam tanto ser aliados, superando as inúmeras divergências, como ser opositores entre si, tensionando suas discordâncias. Dependia da “conjuntura”, termo que a esquerda ainda utiliza para se referir aos contextos políticos.

Agora, os herdeiros políticos dessas figuras estão filiados no mesmo partido. Desde o final do ano passado, João Vicente Goulart, filho de Jango, Carlos Brizola, neto de Brizola, e Ana Maria Prestes, neta de Prestes, fazem parte da direção nacional do PC do B, o Partido Comunista do Brasil.

Identificados como trabalhistas, Goulart Filho, que concorreu à Presidência em 2018 e obteve 30.176 votos (0,03%), e Brizola Neto, que foi ministro do Trabalho do governo Dilma Rousseff (2012-13), eram filiados ao PPL, o Partido Pátria Livre.

A sigla, porém, não conseguiu ultrapassar a cláusula de barreira das últimas eleições e foi incorporada ao PC do B, legenda de Ana Maria desde 1997. A incorporação foi aprovada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na última terça-feira (28).

“Essa união demonstra a capacidade do PC do B, apesar das diferenças, de absorver figuras que estão preocupadas com o Brasil”, afirma a neta de Prestes.

Entre as dissonâncias recentes, exemplifica: no governo Dilma, enquanto o PC do B era base, o PPL era oposição; no início da campanha Lula Livre, o PPL não aderiu ao movimento que pede a libertação do ex-presidente Lula (PT) como fez o PC do B.

Revolucionário comunista, Prestes liderou a coluna militar que percorreu 25 mil quilômetros entre 1925 e 1927 e ajudou Getúlio Vargas a tomar o poder em 1930 -mais tarde, sua mulher Olga Benário foi entregue aos nazistas por Getúlio e morreu em uma câmara de gás na Alemanha.

Goulart, o Jango, foi ministro do Trabalho no último governo Vargas (1951-54) e presidente do país de 1961 a 1964, deposto pelos militares. Brizola era governador do Rio Grande do Sul quando comandou a campanha da legalidade, em 1961, para que Jango, então vice, assumisse a Presidência depois da renúncia de Jânio Quadros.

Jango acabou assumindo mediante um acordo para governar em um regime parlamentarista, o que acabou afastando Brizola, que defendia que se obedecesse à Constituição. O parlamentarismo foi derrubado pela população em 1963 via plebiscito .

Se atualmente a esquerda é dividida -o campo apresentou cinco candidatos a presidente em 2018-, o mesmo ocorria naquela época.

Ainda assim, as três figuras podem ser aproximadas historicamente, avalia Juremir Machado, professor de comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Machado é autor dos livros “Jango: a Vida e a Morte no Exílio” (2013, L&PM), e “Vozes da Legalidade” (Sulina, 2011), obras que abordam episódios históricos do período. “O denominador comum deles é uma ideia de utopia, de um futuro melhor. Mas trilharam caminhos diferentes”, diz.

De acordo com o professor, “Prestes era um comunista assumido que acreditou no processo revolucionário”, o que não se aplica a Brizola e Jango.

Brizola seria “um meio termo” entre os demais e “tinha a ideia de que a política deveria servir à maioria e diminuir as desigualdades sociais”. “Nos termos de hoje, Jango seria um social-democrata. Era um sujeito de família rica que aos poucos descobre as mazelas do país e faz um governo reformista de esquerda”, diz.

Para o filho de Jango, o momento atual sob o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) coloca em xeque os valores defendidos pelo seu pai, como democracia e soberania nacional. Por isso, defende uma união maior da esquerda.

“É preciso construir esse desprendimento político para construir essa frente. Não dá para cada partido sentar para conversar cada um já com candidato antecipado para 2022. Isso não nos conduz para lugar nenhum” diz Goulart Filho.

A opinião é compartilhada por Ana Maria e Brizola Neto. Os herdeiros também relacionam o governo de Bolsonaro à necessidade de resgatar a memória dos antigos líderes.

Para o neto de Brizola, “o legado político não é hereditário. Mas o fato de sermos descendentes nos possibilitou a convivência com essas figuras histórias, com quem enfrentou, mas terminou derrotado pelo processo da ditadura. Ver isso de perto acaba dando uma visão diferente da história e do povo”.

Fonte Bahia Noticias

Compartilhar: