Ha 20 Anos ACM pedia a Cassação de Bolsonaro

Sammy Chagas
02 de agosto de 2019
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Durante o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, o então deputado federal Jair Bolsonaro (PPB-RJ) esteve no centro de uma turbulência no Congresso Nacional, quando parlamentares chegaram a pedir sua cassação. A crise foi motivada por declarações do pepebista na televisão. Convidado do programa “Câmera Aberta”, da TV Bandeirantes, na madrugada do dia 24 de maio de 1999, o deputado defendeu o fechamento do Congresso e a morte de “uns 30 mil, começando com FHC”. Na opinião dele, na época, só assim o Brasil poderia mudar.

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Na época, Bolsonaro não chegou a se retratar, mas, na campanha que o elegeu presidente da República e em seu discurso após a vitória, ele prometeu respeitar a Constituição e as instituições democráticas do Brasil. Nesta quinta-feira, o chefe do Executivo tambémcriticou manifestantes que defendem o fechamento do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal (STF). No livro “Mito ou verdade”, biografia do político escrita pelo seu filho Flávio Bolsonaro, o hoje senador afirmou que as declarações de seu pai contra Fernando Henrique aconteceram no contexto de escândalos envolvendo o governo do então presidente e que as palavras usadas foram “força de expressão” levadas “ao pé da letra” pela imprensa.

A entrevista ao “Câmera Aberta” pode ser vista aqui

Durante a entrevista, há 20 anos, o apresentador perguntou: “Se você fose, hoje, o presidente da República, você fecharia o Congresso Nacional?”. Então com 44 anos e em seu terceiro mandato como deputado federal, Bolsonaro respondeu:

“Não há a menor dúvida, daria golpe no mesmo dia. Não funciona! Tenho certeza que pelo menos 90% da população ia fazer festa e bater palma. O Congresso hoje em dia não serve pra nada, xará. Só vota o que o presidente quer. Se ele é a pessoa que decide, que manda, que tripudia em cima do Congresso, então dê logo o golpe, parte logo pra ditadura”.

Em outro momento, o apresentador perguntou se Bolsonaro tinha esperança de ver o Brasil em um lugar melhor no futuro, e o então parlamentar afirmou:

“Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada. Você só vai mudar, infelizmente, quando um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil. Começando com FHC, não deixando ir para fora, não. Matando! Se vai morrer alguns inocentes (sic), tudo bem”.

 

No dia seguinte à entrevista, uma reportagem do GLOBO exibia a reação dos parlamentares à declaração de Bolsonaro. De acordo com o jornal, o então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, pediu a cassação do deputado, enquanto então o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, e o corregedor-geral da Casa, Severino Cavalcanti, solicitaram a fita com a gravação da entrevista. Avisado sobre a repercussão, Bolsonaro reiterou suas declarações:

“Se fosse o presidente fecharia o Congresso porque não funciona. Está a reboque do Executivo. Só vota o que o Executivo quer, não é independente”, disse na ocasião o deputado, eleito para o terceiro mandato com 103 mil votos.

ACM, Temer e Cavalcanti queriam analisar o contexto em que as declarações foram dadas, para saber se ele estava amparado pela imunidade parlamentar, ou se havia ultrapassado os limites legais deste instituto jurídico, “pregando o golpe de Estado, o que é proibido pela Constituição”. O então presidente do Senado não viu a entrevista, mas também não viu nisto um empecilho para advertir o deputado:

“Não vi e não tenho motivos para tomar conhecimento das loucuras de alguém que perdeu o juízo. Eu acho que deveriam cassar o mandato dele, isso sim”, disse Antônio Carlos Magalhães.

Na mesma reportagem do GLOBO, de 25 de maio de 1999, o deputado fluminense demonstrou receio pelo fato de o presidente do Senado ser um dos articuladores de sua cassação: “Se ele pediu, vão me cassar mesmo”, avaliou.

Por meio do porta-voz da Presidência, Georges Lamazière, Fernando Henrique Cardoso disse na ocasião que não pretendia processar o deputado, mas esperava que o Legislativo tomasse as providências cabíveis.

Em outras ocasiões, Jair Bolsonaro repetiria publicamente a declaração. O deputado Arthur Virgílio (PSDB-AM), líder do governo na Câmara, abriu processo para a cassação do mandato do capitão do Exército por quebra de decoro parlamentar, mas o caso nunca avançou na casa. Na eleição seguinte, três anos depois, o deputado seria reeleito para o quarto mandato com 88.945 votos.

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