
ESTÃO ASSASSINANDO A SANFONA: O CARNAVALIZAMENTO DO SÃO JOÃO É UM CRIME CULTURAL
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06 de junho de 2025No coração do Nordeste, onde o som da sanfona ecoava como reza e resistência, estão tentando calar a alma do povo. Prefeitos, produtores e até artistas — sim, aqueles que deveriam ser os guardiões da cultura — parecem ter assinado, sem pudor, a sentença de morte da tradição junina. Em troca de cifras, holofotes e curtidas, vendem o São João como se fosse abadá em Salvador: quem pagar mais, leva.
O que se vê em 2025 é um São João transfigurado, maquiado de evento pop, lotado de atrações que não sabem sequer distinguir um baião de um axé, um forró de verdade de um eletrônico genérico com chapéu de palha cenográfico. Estão carnavalizando o São João — e com isso, empurrando para o abismo a identidade cultural de milhões de nordestinos. Com todo respeito a Ivete, Léo Santana, Dennis DJ e companhia, mas o palco do São João não é lugar de trio elétrico, é de zabumba, triângulo e sanfona.
É a cultura sendo estuprada a céu aberto, com direito a camarote VIP e camarim climatizado. O São João, que nasceu da roça, do milho assado, do cheiro de fogueira, da dança colada no terreiro, agora virou palco para influencers urbanos fingirem sotaque e posarem com canjica gourmet no Instagram.
A pergunta que fica é: cadê o forró pé de serra, cadê Dominguinhos, Gonzagão, Flávio José, Elba, Alcymar? Foram silenciados pela fúria de contratos milionários que ignoram o que realmente importa: o sentimento do povo. A sanfona está sendo degolada lentamente, com a frieza de quem conta lucros enquanto esquece raízes.
Estão matando o São João não com tiros, mas com contratos. O tiro é simbólico, mas certeiro: na alma. E o silêncio que se segue não é de respeito — é de indiferença.
Por trás da maquiagem neon, do palco gigante e dos fogos encomendados, o que resta da festa junina tradicional? Um forró tímido no coreto da praça, sufocado pela batida eletrônica que grita que o futuro é vender, não preservar.
A cultura nordestina é forte. Mas até ela tem limite. Estão assassinando a sanfona — e com ela, um pedaço de quem somos.