
Especialistas criticam visão de depressão como “falta de Deus” e alertam para sobrecarga mental
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06 de março de 2025A sociedade moderna, hiperconectada e cheia de exigências, vive uma epidemia silenciosa de depressão – no Brasil, já são cerca de 11,5 milhões de pessoas convivendo com a doença. Ainda assim, discursos simplistas atribuem a depressão à mera “falta de Deus” ou “falta de conselho”, culpando o indivíduo em vez de reconhecer as verdadeiras causas por trás do transtorno. Psicólogos e psiquiatras alertam que a depressão é um problema complexo de saúde mental, frequentemente desencadeado por sobrecarga de decisões, responsabilidades excessivas e bombardeio de informações, e cobram que ela seja tratada com a seriedade devida – longe de qualquer estigma religioso ou moral.
Sobrecarga mental e o risco de depressão
Excesso de trabalho, responsabilidades acumuladas e estímulos constantes têm levado ao esgotamento mental de muitas pessoas. Estudos indicam que jornadas longas e estressantes de trabalho aumentam significativamente o risco de depressão. Trabalhar 11 horas ou mais por dia chegou a elevar em até 2,5 vezes a probabilidade de sofrer um episódio depressivo maior, comparado a expedientes regulares. Da mesma forma, a pressão contínua para tomar decisões o tempo todo – seja na carreira, nas finanças ou na vida pessoal – vai minando os recursos emocionais. Essa “fadiga de decisão”, como definem psicólogos, gera níveis crônicos de ansiedade e estresse que, se não forem tratados, podem evoluir para depressão.
O excesso de informações é outro vilão moderno que sobrecarrega a mente. Na era digital, somos bombardeados por notícias, notificações e cobranças de atenção a todo instante. Essa “infoxicação” deixa a sensação de que nunca conseguimos acompanhar tudo e impede o cérebro de descansar. Especialistas apontam que a superexposição informativa pode causar ansiedade, estresse e até depressão – a necessidade de estar sempre atualizado e responder a todas as demandas cria um estado de alerta permanente, comprometendo a capacidade de relaxar e levando ao esgotamento mental. Em suma, a combinação de carga horária extensa, responsabilidades em excesso e bombardeio de dados forma um terreno fértil para o adoecimento psíquico. A depressão muitas vezes surge como resultado desse desgaste contínuo, e não por uma suposta falta de fé ou “fraqueza de espírito”.
Não é fraqueza nem “falta de Deus”: rompendo o estigma
Apesar dessas evidências, ainda persiste em parte da sociedade a visão equivocada de que depressão é sinal de fraqueza, falta de fé ou mera “frescura”. Esse estigma, além de injusto, é perigoso: ele desestimula as pessoas a buscarem ajuda, agravando o quadro da doença. Religiosos e especialistas têm se posicionado contra essa narrativa simplista. O padre Fábio de Melo, que tornou pública sua luta contra a depressão, enfatiza que “depressão não é falta de Deus” – ele lembra que há quem alimente a ilusão de que a fé impediria qualquer transtorno, quando na verdade nem mesmo a religiosidade afasta os desequilíbrios químicos que causam a depressão. Em outras palavras, crença não imuniza ninguém contra doenças. Assim como um diabetes não desaparece apenas com orações, a depressão também requer tratamento médico e apoio profissional.
Do ponto de vista científico, a depressão está longe de ser fruto de “falta de Deus” ou de caráter fraco. “O transtorno depressivo não é frescura, não é falha de caráter ou falta de fé. É uma doença orgânica que afeta o cérebro”, explica o neurologista Leandro Teles, especialista no assunto. A psiquiatra Juliana Tramontina reforça que se trata de um transtorno multifatorial, influenciado por fatores biológicos, psicológicos e sociais – desde genética e química cerebral até estresse crônico e traumas de vida. Ou seja, reduzir a depressão a uma suposta deficiência espiritual é ignorar toda a complexidade envolvida. “Há muita ignorância no trato com pessoas depressivas”, escreveu Fábio de Melo em uma rede social, comentando que é comum ouvir que é frescura ou falta do que fazer, *“quando de fato se trata de um quadro depressivo”*. Especialistas alertam: tais mitos apenas aumentam o isolamento e a culpa de quem sofre, dificultando a busca por tratamento.
Terapia e apoio profissional: ferramentas essenciais
Ao contrário do que pensam os que aconselham “apenas ter pensamentos positivos” ou “ouvir um bom conselho”, superar uma depressão quase sempre exige ajuda profissional. A boa notícia é que existe tratamento eficaz – e quanto antes for iniciado, melhor o prognóstico. Segundo a psiquiatra Evelyn Vinocur, mais de 80% dos pacientes com transtorno depressivo apresentam melhora significativa com o tratamento adequado. Esse tratamento pode incluir psicoterapia, acompanhamento com psicólogo ou psiquiatra e, em muitos casos, medicação antidepressiva para reequilibrar os circuitos cerebrais afetados. Tratar depressão não é “coisa de gente fraca”, é atitude de quem quer viver.
Vencer o estigma e reconhecer a necessidade de terapia foi fundamental, por exemplo, para a cantora Paula Fernandes. Ela revelou ter enfrentado uma depressão grave no início da carreira, após assumir responsabilidades muito cedo e se tornar arrimo de família na adolescência – pressão que a deixou sem vida social e a levou ao limite. Paula confessou que no começo resistiu à ideia de fazer terapia ou tomar remédios por preconceito, achando que era “coisa de gente doida”. O resultado da demora foi o agravamento do quadro: “Emagreci 7 quilos, o cabelo caiu”, contou, relatando inclusive pensamentos suicidas antes de perceber que precisava de ajuda. Somente quando aceitou o tratamento psicológico e psiquiátrico é que iniciou a melhora: *“Quando aceitei o tratamento e os remédios, comecei a melhorar. Fiquei três anos no processo. Voltei a sonhar”*, revelou a cantora. Histórias como a dela ilustram a importância de encarar a depressão como doença tratável – e não como vergonha a ser escondida. Terapia, apoio médico e compreensão familiar salvam vidas, enquanto conselhos simplórios ou julgamentos podem colocar tudo a perder.
Números que não podem ser ignorados
Longe de ser um problema restrito a alguns indivíduos, a depressão hoje é um desafio de saúde pública global. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 322 milhões de pessoas sofram de depressão no mundo, número que cresceu quase 20% em apenas uma década (2005–2015). No Brasil, a situação é especialmente preocupante: o país lidera os índices de depressão na América Latina, com 5,8% da população brasileira afetada – a maior prevalência do continente. Esse percentual equivale a cerca de 11 milhões de brasileiros vivendo com depressão, muitos dos quais sem diagnóstico ou tratamento. Não por acaso, a OMS classifica a depressão como a principal causa de incapacidade em todo o mundo atualmente. Pessoas deprimidas frequentemente não conseguem trabalhar, estudar ou realizar suas atividades cotidianas, gerando um impacto econômico e social gigantesco. Estima-se que a perda de produtividade ligada à depressão e à ansiedade custe à economia global mais de 1 trilhão de dólares por ano, devido a afastamentos do trabalho e redução de desempenho. Esses dados deixam claro que depressão não é frescura – é uma doença séria e altamente prevalente, que demanda políticas de saúde efetivas e atenção da sociedade.
As causas para índices tão altos são múltiplas. Vivemos em um mundo onde pressões psicológicas se acumulam: competitividade profissional, incertezas financeiras, isolamento urbano, além das já citadas sobrecargas de informação e decisões. Soma-se a isso a recente pandemia de COVID-19, que abalou estruturas sociais e emocionais, contribuindo para elevar ainda mais os casos de transtornos mentais. Especialistas destacam também fatores biológicos (predisposição genética, alterações neuroquímicas) e desigualdades sociais como peças desse quebra-cabeça. Ou seja, a depressão tem um componente multifatorial – é resultado de um conjunto de circunstâncias adversas, e não de uma única causa isolada. Isso reforça a necessidade de encarar o problema sem preconceitos e investir em prevenção e tratamento acessíveis.
Depressão não poupa nem os famosos
Histórias de artistas e figuras públicas que enfrentaram a depressão ajudam a desfazer a ideia de que a doença é “fraqueza” ou falta de empenho. Pelo contrário, mostram que ninguém está imune – nem mesmo aqueles com sucesso, fé ou recursos. A própria pressão pelo desempenho e a exposição constante podem ser gatilhos. O cantor e ator Lucas Lucco, por exemplo, revelou que a rotina puxada de shows e gravações o levou ao limite: “Tive uma Síndrome de Burnout e isso levou a uma depressão com síndrome do pânico”, disse ele, após enfrentar uma exaustão profunda causada pelo excesso de trabalho. Casos de burnout seguidos de depressão como o dele tornaram-se comuns em profissões competitivas e cargos de alta responsabilidade. Em 2019, a própria OMS passou a reconhecer o burnout como fenômeno ocupacional relacionado ao estresse crônico no trabalho, dado seu crescimento entre trabalhadores do mundo todo.
A pressão por resultados e a falta de descanso adequado também afetaram a atriz Adriana Esteves no auge da fama. Ela contou que sofreu depressão aos 23 anos de idade, após engatar uma novela atrás da outra, assumindo protagonistas de grande repercussão sem ter tempo para si. *“Comecei a fazer uma novela atrás da outra, com personagens grandes, ganhei exposição e tinha pouca maturidade. Fiquei perdida, não segurei a onda. E aí veio a depressão”*, revelou a atriz em entrevista, mostrando como o combo de trabalho intenso + mudanças pessoais a destabilizou emocionalmente. Esses depoimentos públicos – de cantores, atores, atletas ou mesmo líderes religiosos – têm um efeito importante de jogar luz sobre a depressão. Eles mostram que a doença não distingue fama, sucesso ou espiritualidade: pode atingir qualquer pessoa submetida a altos níveis de estresse ou vulnerabilidade, derrubando o mito de que “quem tem tudo não fica deprimido”.
Outro ponto em comum nesses relatos é a importância de buscar ajuda. Tanto Lucas Lucco quanto Adriana e Paula Fernandes recorreram a tratamento profissional para se recuperarem, assim como inúmeras celebridades internacionais já fizeram ao enfrentar colapsos nervosos longe dos palcos. Ao tornarem pública a necessidade de terapia, remédios ou pausa na carreira, essas figuras ajudam a normalizar o cuidado com a saúde mental. É um contraponto necessário aos comentários desinformados que mandam “rezar mais” ou “trabalhar para espantar a tristeza”. Como disse certa vez o ator Jim Carrey, que também lidou com depressão: “Acho que todo mundo deveria fazer terapia. Quando o cérebro quebra, ele precisa de ajuda”. Histórias de vida reais, somadas a dados científicos, deixam claro que depressão não é sinal de fracasso – é um adoecimento que pode afetar qualquer um de nós diante de pressões extremas ou desequilíbrios, e que requer acolhimento e tratamento adequados.
Olhar crítico e ação coletiva
Combater a visão de que depressão é “falta de Deus” ou mera “falta de conselho” é mais do que uma questão de precisão conceitual – é um passo necessário para salvar vidas. Enquanto parte da sociedade insiste em culpabilizar quem adoece, os números de suicídio e afastamentos por transtornos mentais continuam a subir. Cada vez que alguém diz a um depressivo que ele está assim por não ter fé suficiente, pode estar aumentando a vergonha e o isolamento dessa pessoa, afastando-a de procurar ajuda profissional. Por isso, é fundamental desconstruir esses mitos publicamente, em igrejas, escolas, empresas e na mídia. Informação de qualidade e educação em saúde mental precisam chegar a todos os níveis, para que frases como “isso é falta de Deus” deem lugar a perguntas como “como posso te ajudar?”.
A responsabilidade não é só do indivíduo, mas de toda a sociedade. Empresas devem ficar atentas à carga de trabalho de seus funcionários e oferecer suporte psicológico; escolas e universidades precisam discutir saúde mental abertamente; governos devem ampliar o acesso a tratamentos e campanhas de conscientização. Também é preciso incentivar uma cultura de empatia, onde buscar terapia seja visto com naturalidade – tão normal quanto tratar hipertensão ou diabetes. Afinal, como demonstram os especialistas, a depressão tem bases neuroquímicas e ambientais complexas, e ninguém está livre de enfrentar um transtorno assim ao longo da vida. Por outro lado, com a rede de apoio certa – família, amigos, profissionais de saúde – e estratégias de autocuidado, a maioria dos casos pode ser superada ou gerenciada com sucesso.
Em resumo, a depressão não escolhe religião, classe social ou profissão, e certamente não se resolve apenas com conselhos ou rezas. Encará-la sob a lente do preconceito religioso ou moral é permanecer cego às suas verdadeiras causas e soluções. A visão crítica e informada mostra que a depressão é um problema de saúde real, agravado pelas pressões do mundo contemporâneo, e que requer compaixão, tratamento técnico e políticas públicas à altura de sua gravidade. Só assim poderemos aliviar a sobrecarga que pesa sobre milhões de mentes – e derrubar de vez a falácia de que falta Deus onde, na verdade, falta saúde.
Aqui está um parágrafo que destaca o papel da fé em Deus no enfrentamento da depressão, sem desconsiderar a necessidade de tratamento profissional:
“A fé em Deus pode ser um grande apoio emocional e espiritual para quem enfrenta a depressão, proporcionando conforto e esperança nos momentos mais difíceis. No entanto, confiar apenas na fé sem buscar tratamento adequado pode agravar o quadro, pois a depressão é uma doença que afeta a química do cérebro e pode exigir acompanhamento médico. Assim como um cristão busca um médico quando tem uma enfermidade física, cuidar da saúde mental com um psicólogo ou psiquiatra não é sinal de falta de fé, mas sim um passo importante para a recuperação e o bem-estar.”
Fontes: Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde, especialistas em psiquiatria e psicologia (Juliana Tramontina, Evelyn Vinocur, Leandro Teles), depoimentos de figuras públicas (Fábio de Melo, Paula Fernandes, Lucas Lucco, Adriana Esteves) e estudos sobre saúde mental e trabalho.