de Março: história, conquistas e desafios no Dia Internacional da Mulher

-
08 de março de 2025
Share:

No Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, a origem operária da data se mistura às pautas atuais de luta por igualdade. Desde protestos de trabalhadoras no início do século 20 até a oficialização pela ONU em 1975, a data simboliza conquistas femininas importantes – do direito ao voto à lei Maria da Penha – mas também expõe desafios persistentes. No Brasil, mulheres enfrentam desigualdade de gênero no mercado de trabalho, sub-representação política e altos índices de violência. Dados recentes revelam que quatro brasileiras são vítimas de feminicídio a cada dia, panorama igualmente preocupante na Bahia e até em cidades do extremo sul baiano. Especialistas destacam avanços em políticas de proteção e cobram urgência no combate à violência de gênero, reafirmando o 8 de Março como um dia de memória e reivindicação.

Origem de 8 de março: das fábricas à ONU

O Dia Internacional da Mulher nasceu da luta das operárias por melhores condições de trabalho e direitos políticos. Uma das primeiras celebrações ocorreu em 1909, quando cerca de 15 mil mulheres marcharam em Nova York por jornadas mais justas. Em 1910, a feminista alemã Clara Zetkin propôs uma jornada anual de manifestações das mulheres, sem data fixa. Nos anos seguintes, protestos se multiplicaram – inclusive na Rússia, onde em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no antigo calendário juliano) milhares de trabalhadoras foram às ruas contra a fome e a guerra, dando o pontapé inicial da Revolução Russa. Essa onda de mobilização consolidou o 8 de março como referência mundial.

A data passou a ser celebrada em vários países nas décadas seguintes e foi oficializada pela Organização das Nações Unidas em 1975, durante o Ano Internacional da Mulher. “Esse dia tem uma importância histórica porque levantou um problema que não foi resolvido até hoje. A desigualdade de gênero permanece. Em muitos lugares, as condições de trabalho ainda são piores para as mulheres do que para os homens”, pontua a socióloga Eva Blay, pioneira nos estudos sobre direitos das mulheres. Ao longo do tempo, 8 de Março se firmou tanto como ocasião de homenagem quanto – principalmente – de luta e reivindicação por igualdade.

Desigualdade e desafios enfrentados no Brasil

Passado mais de um século das primeiras marchas, as brasileiras ainda encaram barreiras significativas. No mercado de trabalho, a disparidade de gênero é evidente: em 2022, a taxa de participação das mulheres na força de trabalho foi de apenas 53,3%, contra 73,2% dos homens. Mesmo sendo, em média, mais escolarizadas – 21,3% das mulheres têm nível superior completo, frente a 16,8% dos homens – elas recebem salários menores em praticamente todas as ocupações. Um levantamento do IBGE mostrou que os homens tiveram rendimento médio 17% maior que o das mulheres em 2022 (R$ 3.790 contra R$ 3.240). As mulheres também estão concentradas em empregos precários: quase dobro de mulheres em trabalho parcial (28%) em relação aos homens (14%), muitas vezes conciliando a jornada profissional com a maior parte das tarefas domésticas. De fato, somando trabalho remunerado e afazeres do lar, elas trabalham em média 54,4 horas semanais, contra 52,1 horas dos homens – e dedicam quase o dobro do tempo aos cuidados de casa e da família.

Fora do âmbito econômico, outros desafios se impõem. A representação política feminina permanece baixa: as mulheres ocupam apenas 18% das cadeiras no Congresso Nacional – 107 parlamentares de um total de 594, o maior patamar histórico porém ainda muito aquém da paridade. No debate sobre direitos reprodutivos, o Brasil ainda criminaliza o aborto (salvo raras exceções legais), levando milhares a procedimentos inseguros. Violência de gênero, feminicídio, aborto ilegal e diferença salarial estão entre os problemas urgentes apontados por especialistas. “Certamente, o 8 de Março é um dia de luta, dia para lembrarmos que ainda há muitos problemas a serem resolvidos, como os da violência contra a mulher, do feminicídio, do aborto (clandestino), e da própria diferença salarial”, observa Eva Blay. Ela destaca que houve avanços na conscientização – “hoje a gente consegue falar sobre os problemas; antes, ficava tudo entre quatro paredes” – mas a evolução concreta ainda é pequena diante das desigualdades persistentes.

Conquistas e novos espaços alcançados

Apesar dos obstáculos, as mulheres brasileiras acumulam importantes conquistas ao longo das décadas. Na esfera dos direitos políticos, o sufrágio feminino foi garantido em 1932, pelo Código Eleitoral promulgado naquele ano – o Brasil foi um dos primeiros da América Latina a reconhecer o voto das mulheres. Desde então, elas vêm ampliando sua participação na vida pública: hoje, além de representarem a maioria do eleitorado, já ocuparam cargos de destaque como a Presidência da República e ministérios, e formaram a maior bancada feminina da história no Parlamento (mesmo correspondendo a menos de 20% dos parlamentares).

No campo legal, marcos protetivos fundamentais foram estabelecidos. A Lei Maria da Penha, de 2006, criou mecanismos rigorosos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, endurecendo punições e prevendo medidas protetivas às vítimas. Em 2015, outra vitória: a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15) incluiu no Código Penal o homicídio motivado por violência de gênero como circunstância qualificadora, tornando-o um crime hediondo. Essas leis não eliminaram a violência, mas deram visibilidade ao problema e ferramentas legais para combatê-lo. Também no Judiciário, promotoras e delegadas especializadas passaram a atuar em Delegacias da Mulher (as primeiras criadas em 1985) e juizados específicos, abrindo caminhos para mulheres dentro das instituições de justiça.

Em outras áreas, as mulheres avançaram em espaços antes dominados por homens. Na educação, elas são maioria entre os estudantes e diplomados do ensino superior – 60,3% dos concluintes de graduação presencial em 2022 eram mulheres, incluindo crescente presença em cursos tradicionalmente masculinos, embora ainda minoritárias em áreas como engenharia e computação. No mercado de trabalho, ainda que enfrentem o “teto de vidro”, há mais mulheres em posições de liderança do que no passado recente, e iniciativas de diversidade vêm abrindo portas em empresas. A luta feminista também conquistou mudanças culturais e legais importantes: por exemplo, a recente Lei da Igualdade Salarial (Lei 14.611/2023), sancionada em julho do ano passado, que determina salário igual para homens e mulheres na mesma função e prevê mecanismos de fiscalização contra a discriminação salarial. Medidas como essa visam reduzir a desigualdade estrutural e foram celebradas como mais um passo rumo à equidade.

“Embora a trajetória das mulheres no Brasil tenha sido marcada por conquistas importantes, a continuidade da luta por direitos e a promoção de políticas públicas inclusivas são essenciais para garantir a efetividade desses direitos e a superação das desigualdades existentes”, concluiu um estudo da UNIRIO sobre o histórico de avanços legais. Em suma, há o que comemorar – do voto às leis atuais, das primeiras universitárias às pesquisadoras e empreendedoras de hoje –, mas cada conquista traz à tona novos desafios a enfrentar.

Violência contra a mulher: retrato alarmante no país e na Bahia

Um dos desafios mais graves e urgentes é a violência de gênero. O Brasil registra níveis alarmantes de violência contra a mulher, que vão desde agressões verbais e físicas até os casos extremos de feminicídio. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 1.463 mulheres foram assassinadas em 2023 por razão de gênero – média de quatro vítimas por dia – o maior número desde que há registro oficial do crime. Desde 2015, quando a categoria feminicídio passou a ser contabilizada, mais de 10,5 mil mulheres foram mortas pelo simples fato de serem mulheres. “Não podemos normalizar a morte de mais de 10 mil mulheres em menos de uma década pelo simples fato de serem mulheres. (…) Isso, isoladamente, não é suficiente para promover uma redução desses crimes”, adverte Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum, ao defender políticas públicas mais efetivas no enfrentamento da violência.

As estatísticas de outras formas de violência também impressionam. Em 2023, ao menos 1,2 milhão de mulheres foram vítimas de violência no Brasil (considerando agressões, ameaças, estupros etc.), segundo dados compilados no Anuário de Segurança Pública. Praticamente todos os indicadores cresceram em relação ao ano anterior: aumentaram os registros de agressão doméstica (+9,8%), ameaça (+16,5%), stalking (+34,5%), violência psicológica (+33,8%) e **estupro (+6,5%)**. As tentativas de homicídio contra mulheres subiram 9,2%, com 8.372 casos em 2023, e as tentativas de feminicídio – quando a mulher quase foi morta em razão de gênero – aumentaram 7,1%, totalizando 2.797 sobreviventes desse tipo de crime no ano. O único dado em leve queda foi o de homicídios gerais de mulheres (não tipificados como feminicídio), que caiu 0,1%, sugerindo que mais assassinatos vêm sendo reconhecidos como feminicídios pelas autoridades.

O perfil das vítimas de feminicídio reforça como gênero, raça e contexto se intersectam na violência. **Quase dois terços das mulheres mortas são negras (63,6%)**, percentual superior à proporção de negras na população feminina brasileira. A maioria está em idade produtiva – 71% tinham entre 18 e 44 anos – e 64% foram assassinadas dentro de casa, cenário que evidencia o perigo do ambiente doméstico em situações de abuso. Em 84% dos casos, o autor do crime foi o companheiro ou ex-companheiro da vítima (63% parceiros atuais e 21% ex-parceiros), muitas vezes após um histórico de agressões prévias e medidas protetivas insuficientes para evitar o pior. Esses números traduzem uma trágica realidade cotidiana, na qual diferenças regionais também aparecem – alguns estados do Norte e Centro-Oeste apresentam as maiores taxas proporcionais de feminicídio, enquanto outras unidades registram subnotificações ou quedas temporárias. De todo modo, nenhuma região do país está livre do problema.

No estado da Bahia, a situação é igualmente preocupante. Dados da Polícia Civil revelam que 108 casos de feminicídio foram registrados em 2023 no estado, um aumento em relação aos 107 casos de 2022. Trata-se do maior número de homicídios de mulheres entre os estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança – a Bahia liderou um levantamento em comparação com outras sete unidades da federação acompanhadas pela entidade. Em termos absolutos, a Bahia figura entre os estados com maior incidência desse crime, ao lado de São Paulo (que teve 221 casos em 2023) e Minas Gerais. Dos feminicídios baianos no ano passado, a vasta maioria das vítimas era negra ou parda (85 de 108 mulheres), evidenciando o recorte racial da violência. Os crimes vitimaram mulheres de 14 a 72 anos, de diferentes perfis socioeconômicos. Salvador, a capital, concentrou 18 casos, mas a maioria (90 ocorrências) ocorreu no interior, distribuídos em diversas cidades do litoral ao sertão. Isso inclui municípios do extremo sul da Bahia, região que nos últimos anos também testemunhou episódios brutais de feminicídio e agressões que chocaram a população local. Em Feira de Santana, segunda maior cidade baiana, 30 mulheres foram mortas em 2023 (considerando homicídios em geral), e cidades menores igualmente lidam com essa violência, muitas vezes com menos recursos de proteção disponíveis.

Além dos feminicídios consumados, a violência doméstica e sexual na Bahia apresenta números expressivos. Somente nos dois primeiros meses de 2024, 7.835 boletins de ocorrência foram registrados sob a Lei Maria da Penha no estado, resultando em 4.499 inquéritos policiais e 748 agressores presos em flagrante nesse curto período. As denúncias via canais oficiais têm crescido: o serviço Ligue 180 registrou aumento de 27% nas notificações na Bahia em 2022, e de 42% no início de 2023, com maioria dos chamados envolvendo mulheres negras de 40 a 44 anos. Esses indicadores mostram que, embora mais mulheres estejam buscando ajuda, a violência de gênero continua disseminada em todo o estado, exigindo atenção redobrada das autoridades locais.

Políticas públicas e iniciativas de proteção

Diante desse panorama, o poder público e a sociedade civil têm desenvolvido políticas e ações para proteger as mulheres e promover seus direitos – ainda que a eficácia dessas medidas dependa de constante aprimoramento e implementação ampla. Um marco importante foi a já citada Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que criou mecanismos para prevenir e punir a violência doméstica. A legislação estabeleceu medidas protetivas de urgência, facilitou o afastamento de agressores, incrementou penas e inspirou a criação de varas judiciais e delegacias especializadas em atendimento à mulher. Em complemento, a tipificação do feminicídio em 2015 aumentou a punição para assassinatos de mulheres motivados por gênero, ao incluí-los como homicídio qualificado (pena de 12 a 30 anos) e qualificá-los como crime hediondo. Essas leis formam hoje a base legal de enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil.

Nos últimos anos, novas iniciativas governamentais e campanhas têm buscado ampliar a rede de proteção. Em 2023, o governo federal recriou o Ministério das Mulheres – extinto em gestões anteriores – e retomou programas específicos. Foi reativado o Programa Mulher Viver sem Violência, que integra serviços para atendimento humanizado de vítimas, e anunciado investimento para construir 40 Casas da Mulher Brasileira até 2026. Essas unidades funcionam como centros de apoio multidisciplinar, reunindo delegacia, defensoria, apoio psicológico, abrigo provisório e outros serviços num só lugar. A primeira Casa da Mulher Brasileira na Bahia foi inaugurada em Salvador em dezembro de 2023, e outras estão previstas em diversas capitais. Também em 2023, voltou a funcionar de forma autônoma o Ligue 180, central de atendimento telefônico para mulheres em situação de violência – que ganhou inclusive atendimento via WhatsApp (no número 61 9610-0180), facilitando denúncias e orientação às vítimas. Até novembro último, quase 6 mil atendimentos já haviam sido realizados pelo canal de mensagem.

Outra novidade foi o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, lançado em agosto de 2023 durante a Marcha das Margaridas (encontro de mulheres do campo em Brasília). O pacto envolve governos federal, estaduais e sociedade civil em estratégias conjuntas para prevenir homicídios de mulheres e aprimorar a identificação de riscos, buscando abordar as raízes da misoginia e proteger potenciais vítimas. Paralelamente, campanhas como a iniciativa “Brasil sem Misoginia”, lançada em outubro, reúnem dezenas de parceiros – de empresas a grupos comunitários – em ações educativas contra o machismo estrutural e a violência de gênero. No âmbito da justiça, alguns estados criaram programas voltados aos agressores, como grupos reflexivos e centros de reeducação, entendendo que envolver os homens faz parte da solução. Patrulhas e rondas Maria da Penha, caso da Bahia e outros estados, intensificam o acompanhamento de mulheres sob medida protetiva, visitando residências para checar o cumprimento de ordens judiciais e coibir novos ataques.

Apesar dessas iniciativas, especialistas alertam que a eficácia das políticas depende de alcance e capilaridade. “Os governos deveriam ouvir mais as mulheres para formular políticas públicas de combate à violência de gênero”, defende Julia Leal, coordenadora da Casa das Mulheres da Maré, projeto em uma comunidade do Rio de Janeiro. Segundo ela, é preciso considerar as diferentes realidades: “Nem todas as mulheres têm acesso [às redes de proteção] da mesma forma. Não existe uma mulher genérica e, especialmente para mulheres que vivem em territórios regulados por grupos armados, a rede de proteção praticamente não funciona ou funciona muito pouco”. Ou seja, mulheres em áreas rurais ou periféricas – muitas vezes sob domínio do crime organizado ou longe de serviços públicos – enfrentam dificuldade maior em obter ajuda. Daí a necessidade de interiorizar os equipamentos de apoio (como casas-abrigo e delegacias especializadas) e treinar agentes públicos para atender com sensibilidade em qualquer delegacia ou posto de saúde.

Outra frente crucial é a educação e mudança cultural. Programas educativos em escolas, campanhas midiáticas e engajamento de homens aliados (como a iniciativa HeForShe da ONU Mulheres) ajudam a desafiar estereótipos de gênero e a romper o ciclo de normalização da violência. Além disso, movimentos de mulheres e organizações não governamentais têm um papel histórico na pressão por políticas: seja na luta pela implantação da educação sexual e de equidade de gênero nas redes de ensino, seja no acolhimento de vítimas onde o Estado não chega. A própria data de 8 de Março mobiliza diversos atos e eventos no país – em 2023, protestos ocorreram nas principais capitais brasileiras, clamando por igualdade salarial, legalização do aborto e pelo fim do feminicídio.

Luta contínua e esperança de mudanças

O Dia Internacional da Mulher, portanto, vai muito além de flores e homenagens. Sua origem combativa permanece viva nas pautas atuais. Ao mesmo tempo que celebramos conquistas, como o avanço das mulheres em posições de destaque e o fortalecimento de leis protetivas, lembramos que a batalha por igualdade e respeito está longe do fim. Os indicadores de desigualdade e violência expostos acima servem de alerta: há muito a fazer para que mulheres tenham pleno gozo de direitos, segurança e oportunidades em pé de igualdade.

Mas há também motivos para esperança. A volta de políticas públicas dedicadas às mulheres em 2023, a aprovação de novas leis como a de igualdade salarial, o recorde de mulheres eleitas em algumas esferas e a crescente conscientização social indicam que a agenda de gênero ganhou prioridade renovada. “Chegamos a 2024 com muita força e comprometimento para levar adiante a luta das mulheres contra todas as formas de violência e discriminação e pela igualdade de gênero. Que venham outras conquistas!” declarou o Ministério das Mulheres em balanço das ações recentes. No Brasil e no mundo, o 8 de Março segue como um marco anual de avaliação e cobrança – um dia para dar visibilidade às vozes femininas, honrar as que vieram antes e exigir um futuro mais justo para as próximas gerações. Em suma, um dia para reiterar que os direitos das mulheres são direitos humanos e que a sociedade inteira tem a ganhar com a equidade.

Fontes: BBC News Brasil; Agência Brasil; Fórum Brasileiro de Segurança Pública; iBahia; Ministério das Mulheres.

Compartilhar: