De colonizadores a líderes: família Guerra faz história na Bahia

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25 de abril de 2025
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Salvador (BA)Estabelecida ainda no Brasil Império, a família Guerra espalhou raízes por diversas regiões da Bahia, dos sertões do oeste às praias do sul. Com um sobrenome de origem ibérica e italiana, seus membros participaram da colonização de novas terras, ascenderam na política local e deixaram um legado cultural que atravessa gerações.

ORIGEM E CHEGADA DOS GUERRA À BAHIA

O sobrenome Guerra chegou à Bahia possivelmente junto com os fluxos coloniais luso-espanhóis. O termo tem origem no germânico werra, que significa “discórdia” ou “peleja”, e tornou-se alcunha de guerreiros medievais. Espalhado por toda a Espanha desde a Idade Média, o nome não pertence a uma única família de origem – vários ramos adotaram “Guerra” independentemente. Alguns genealogistas apontam que certos Guerra descendem do rei castelhano Sancho VI, “El Bravo”, através do nobre Pedro Fernández de Castro, apelidado “de la Guerra”, de quem teria se originado uma linhagem. Outro berço conhecido está na província da Cantábria (Espanha): no solar da família Guerra em Santander, fundado por um escudeiro medieval, cuja descendência gerou inúmeros cavaleiros – um deles migrou às Ilhas Canárias e deu origem a ramificações em Cuba no século XVIII.

Em Portugal, pelo menos duas linhagens Guerra se destacam. A mais antiga remonta ao século XIV e descende do infante Dom João, filho de Dom Pedro I de Portugal e Dona Inês de Castro – neta de Pedro Fernandes de Castro, chamado “o da Guerra”. Dessa estirpe nobiliárquica surgiu o sobrenome na corte portuguesa. Outro ramo português se iniciou no século XV com Sebastião Rodrigues da Guerra, fidalgo galego que se estabeleceu na região da Beira, vindo das Astúrias.

Na Bahia, registros históricos indicam que integrantes da família Guerra já se faziam presentes pelo menos desde meados do século XIX. Durante o período imperial, um descendente da linhagem portuguesa – Agostinho Moreira Guerra, desembargador e conselheiro de Dom Pedro II – migrou da corte para o interior baiano. Em 1850, Agostinho instalou-se no então remoto oeste da Bahia, na região de Correntina, liderando ali um núcleo familiar que fincou raízes no estado. É provável que outros Guerra tenham chegado anteriormente ou no mesmo período por diferentes vias, seja por transferências administrativas do Império, seja por migrações de províncias vizinhas. Pesquisas genealógicas recentes apontam, por exemplo, que ramos do sobrenome vieram de Pernambuco para o sertão baiano no início do século XX – indicando uma constante movimentação da família dentro do Nordeste brasileiro.

No final do século XIX, imigrantes italianos também trouxeram o sobrenome ao Brasil. O nome Guerra é comum no norte da Itália (especialmente Calábria, Piemonte, Lombardia, entre outras regiões) e várias famílias italianas Guerra chegaram ao país entre 1880 e 1920. Embora a maioria desses imigrantes tenha se estabelecido no sul e sudeste brasileiro (como o caso de Luigi Bortolo Guerra, que chegou ao Rio Grande do Sul em 1888), algumas ramificações podem ter subido ao Nordeste. Registros isolados mostram bisavós italianos de sobrenome Guerra fixando residência no Brasil, e é possível que parte tenha se radicado na Bahia por meio de migrações internas posteriores. Assim, a família Guerra baiana deriva de um mosaico de origens: nobres luso-castelhanos, colonos ibéricos comuns e imigrantes ítalo-brasileiros, cujas trajetórias convergiram no território baiano.

NÚCLEOS FAMILIARES E MUNICÍPIOS DE CONCENTRAÇÃO

Ao longo dos séculos, os Guerra espalharam-se por diversas regiões da Bahia, formando núcleos familiares influentes em diferentes municípios. Entre os locais com maior concentração ou relevância histórica do clã, destacam-se:

FIGURAS PÚBLICAS E LEGADO LOCAL

Diversos membros da família Guerra deixaram sua marca na vida pública baiana ao longo do tempo. No oeste do estado, um dos expoentes foi Teófilo Moreira Guerra, neto de Agostinho. Bacharel em Direito e conhecido como “Dr. Guerra” ou carinhosamente “Guerrinha”, Teófilo atuou como promotor público e juiz em várias comarcas baianas na virada do século XIX para o XX. Ele contribuiu para a organização judiciária de cidades como Rio de Contas (atual Barreiras) e Caetité e ajudou no processo de elevação de vilarejos à categoria de cidade, participando ativamente do desenvolvimento municipal em locais como Xique-Xique e Santa Maria da Vitória. Posteriormente, Teófilo Guerra ingressou na política: foi prefeito de Correntina por duas gestões nas décadas de 1950 e 60, sendo lembrado pela população como líder ético e grande incentivador da cultura local. Poeta e intelectual, ele também fomentou a educação na região, seguindo a tradição ilustrada de sua família.

No campo das artes e esportes, descendentes dos Guerra igualmente ganharam destaque. Em Prado, o sobrenome está associado a um dos pioneiros do futebol local: Almir Guerra Xavier, neto de Carmen Guerra, integrante da extensa família Guerra pradense, tornou-se reconhecido como um dos maiores jogadores originários do município. Sua trajetória esportiva, narrada no Museu da Pessoa, reflete o orgulho que a comunidade tem da contribuição dos Guerra para a história da cidade – seja formando atletas, seja ocupando posições de liderança comunitária.

Além desses, há indícios de Guerra no cenário empresarial e cultural baiano contemporâneo. Nas últimas décadas, o sobrenome aparece em diferentes contextos – de nomes de comerciantes e fazendeiros do interior a personalidades da sociedade soteropolitana. Em Teixeira de Freitas, Mateus Guerra se destaca como o atual vice-prefeito do município, simbolizando a continuidade do legado político da família na cidade que ajudaram a fundar.

LAÇOS COM PORTUGAL, ESPANHA E ITÁLIA

Genealogistas e historiadores apontam fortes conexões entre os Guerra baianos e suas origens no Velho Mundo. Uma parte dos Guerra do Nordeste brasileiro reivindica descendência direta dos ramos portugueses mencionados – aqueles oriundos da união do rei Pedro I com Inês de Castro. Essa reivindicação é visível inclusive no orgulho familiar: há quem defenda que todos os Guerra do Brasil teriam um único tronco ancestral lusitano, dada a proeminência desse sobrenome na nobreza de Portugal. Embora na prática existam múltiplas linhagens sem relação entre si, é inegável que muitos Guerra baianos herdaram sobrenome e costumes de antepassados portugueses.

Da Espanha, além das remotas origens medievais, vieram também imigrantes mais recentes que influenciaram a dispersão do nome Guerra no Brasil. Já a contribuição italiana se deu mais tarde e de forma pontual. Mesmo sendo menor que a luso-espanhola, essa presença completa o perfil da família Guerra no estado.

ENTRE A HISTÓRIA E A ATUALIDADE

A trajetória da família Guerra na Bahia atravessa períodos marcantes da história brasileira. Desde a colonização do oeste baiano, passando pelas lutas políticas locais no Império e na República até o protagonismo atual em cidades como Teixeira de Freitas, o sobrenome carrega um simbolismo de perseverança. A história dos Guerra na Bahia continua em construção. Cada nova geração acrescenta um capítulo, reafirmando a mistura de sangue português, espanhol e italiano que moldou essa família. Assim, do passado colonial aos dias atuais, os Guerra perpetuam um legado que reflete a própria diversidade e riqueza histórica da Bahia.


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