As armadilhas da Portaria 131 do TSE

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08 de abril de 2020
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As armadilhas da Portaria 131 do TSE

Luciano Reis Porto,
Advogado e Professor de Direito Eleitoral

No último dia 4 de abril, seis meses antes das eleições (se estas não forem adiadas), terminou o prazo legal para a filiação partidária daqueles (as) que pretendem se candidatar no próximo pleito. Trata-se de uma das condições de elegibilidade previstas no art. 14, §3º, da Constituição Federal.
Contudo, após o frenesi das articulações políticas na montagem dos partidos, eis que incautos e desavisados se apressam, “motu próprio”, a interpretar, com doses de casuísmo e pitadas de apedeutismo, a Portaria 131 do TSE como uma janela escancarada a desfiliações e refiliações de pré-candidatos até o dia 15 de abril.
É que a portaria realmente permitiu a atualização de dados na lista interna de filiados do partido político até o dia 15 de abril. Assim, o dirigente partidário, de posse de seu login e senha, pode continuar lançando no FILIA (Sistema de Filiação Partidária Justiça Eleitoral) novos registros com total liberdade. E isso está correto, pois a lógica do sistema é permitir que o interessado, exercendo seu direito fundamental de associação, possa se filiar (ou se desfiliar) a qualquer partido político, a qualquer tempo.
Mas, em condições normais de “temperatura e pressão”, o ato de filiação, que é expressão da vontade livre e desembaraça de alguém em associar-se a determinada agremiação, deveria se revestir sempre de atributos civilizatórios, tais como a ética pública, a autenticidade e integridade da opção ideológica e a verdade substancial do procedimento.
Entretanto, como no campo da política inexistem condições normais de “temperatura e pressão”, a possibilidade de continuar lançando registros de filiações até o dia 15 de abril converteu-se em oportunidade de realizar-se “filiações retroativas” – forma fraudulenta de trazer a filiação extemporânea para dentro do prazo legal de 4 de abril, a fim investir, indevidamente, o novo filiado da condição de elegibilidade já mencionada: a filiação partidária dentro do prazo de 6 meses antes das eleições.
Isso quer dizer, por exemplo, que determinado partido pode filiar um pré-candidato no dia 10/04, mas registrar no FILIA, no campo “data de filiação”, o dia 04/04, ou até antes, como data da adesão à agremiação.
Contudo, ainda há mais coisas. Com base nessa possibilidade, há quem visualiza na portaria a chance de tentar cooptar pré-candidatos dos partidos adversários, os quais já se encontram devidamente registrados da lista interna do FILIA, ao argumento de que a legislação eleitoral prescreve que havendo coexistência de filiações partidárias, prevalecerá a mais recente, devendo as demais serem canceladas.
Todavia, é preciso ter em vista outras disposições normativas, para não se incorrer em equívoco. Há de se ler globalmente a legislação.
Primeiro, a Lei 9.096/1995, art. 22, V, dispõe que o cancelamento imediato da filiação se dará com a filiação a outro partido, desde que a pessoa comunique o fato ao juiz da respectiva zona eleitoral. Nesse aspecto, a Res. nº 23. 596/2019 – TSE, no art. 24, §4º, ainda é mais explícita: para cancelamento imediato da filiação anterior, o interessado deverá comunicar o ingresso no novo partido ao juízo eleitoral de sua zona de inscrição.
E mais, deverá também fazer comunicação escrita ao órgão de direção municipal (art. 24. Res. Nº 23. 596/2019 – TSE).
Se não for comunicada a desfiliação à Justiça Eleitoral, o registro anterior ainda será considerado, inclusive para fins de verificação da coexistência de filiações (art. 24, §3º, Res. Nº 23. 596/2019 – TSE).
E aqui cabem algumas perguntas: como a comunicação após o dia 4 de abril seria interpretada pelo juiz eleitoral? Mero esquecimento? É provável que não, pois o direito não socorre aos que dormem.
E quanto ao partido que perdeu o filiado pré-candidato, vai aceitar protocolo retroativo da comunicação de desfiliação? É bem provável também que não.
Segundo, é importantíssimo esclarecer que, verificada a duplicidade de filiações, a Justiça Eleitoral instaurará um processo, ao final do qual será proferido julgamento.
De fato, detectados, no processamento, registros com idêntica data de filiação, serão expedidas, pelo TSE, notificações ao filiado e aos partidos envolvidos. As partes envolvidas terão o prazo de vinte dias para apresentar resposta, contados da realização do processamento das informações.
E será dessas respostas dadas pelo filiado e pelos dois partidos envolvidos, juntos com as provas apresentadas, que sairão as explicações e a plena compreensão dos fatos, cabendo ao juiz decidir qual realmente é a ultima filiação, capaz e suficiente para anular a anterior.
Pode muito bem ocorrer, por exemplo, de o juiz considerar, a partir dos elementos extraídos das respostas, que a filiação feita após o dia 4 de abril, embora com pretensos efeitos retroativos, deva prevalecer sobre a anterior, porém mantendo a data do efetivo lançamento no FILIA. Assim, o filiado vai estar filiado no partido ao qual aderiu de ultima hora, mas não poderá disputar as eleições, já que a filiação será extemporânea.
Depois de apresentadas as respostas ou decorrido o respectivo prazo, será aberta vista ao Ministério Público, por cinco dias, após os quais, com ou sem manifestação, o juiz decidirá em idêntico prazo.
Segundo o calendário constante no anexo da Portaria 131, a data limite para que o juiz profira a sua decisão é dia 28 de maio. Até lá, a filiação permanece sub judice.
Por último, é não menos importante registrar que, caso sejam verificados indícios de falsidade, abuso, fraude ou simulação na inclusão do registro de filiação ou na sua retificação, o juiz eleitoral dará ciência ao Ministério Público Eleitoral para as providências cabíveis e apuração de eventual responsabilidade pela prática de crimes eleitorais (Res. 23. 596/2019, art. 23, §7º).
Ou seja, a coisa não é tão simples quanto alguns pregam.

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